7 inconsistências na proposta de adequação da RES. 482 da ANEEL

Durante a defesa da nova proposta de adequação da RES. 482 da ANEEL, o Diretor-Presidente da Agência, André Pepitone, reforçou em seu discurso a imparcialidade do órgão, além de manter uma postura ofensiva em relação ao mercado de geração distribuída.

Dentre as suas colocações, esteve a seguinte frase:

“Aqui prevalece a aritmética…. Aqui ninguém vai levar no grito!”

Essa postura me irritou profundamente e, de certa forma, ratificou o que venho comentando acerca do comportamento recente da ANEEL, que tem sido permeado de decisões e posições polêmicas.

Mas, passado o primeiro impacto do discurso do Diretor, resolvi analisar com todo o cuidado o texto da nova RES. 482, assim como a AIR disponibilizada. Fiz isso para me certificar completamente da validade das decisões e fundamentações da Agência ao redigir o novo texto da norma, assim como para entender os motivos da posição da ANEEL.

Para saber o que achei do texto, continue a leitura!

Mas, se você ainda não está por dentro da proposta de mudança, primeiro assista ao vídeo explicativo abaixo.

Os pontos críticos da “nova” RES. 482

Depois de muita análise, aponto, aqui, os problemas que verifiquei na apresentação. Tentei ao máximo ser imparcial, prezando sempre pelo olhar técnico, mas, definitivamente, cheguei à conclusão de que há, sim, interferência externa na Agência.

Quer seja o governo, ou então o “lobby” formado pelas distribuidoras, existe uma força maior conduzindo a ANEEL. Afinal de contas, o sr. Pepitone está certo: ninguém leva a Agência no grito, e isso pelo simples fato de que ela não escuta a sociedade. A tal “aritmética” que prevalece é a da margem de resultados das distribuidoras, que deve sempre estar crescente nessa conta.

E, para não falarem que estou apenas “gritando”, vou justificar o meu posicionamento como o Sr. Pepitone, através da aritmética, fundamentando alguns dos pontos mais sensíveis e críticos da análise que realizei.

 

1. As perdas evitadas pela geração distribuída (GD)

Durante a apresentação, fica claro que as perdas evitadas pela geração distribuída não foram corretamente alocadas na análise de impacto financeiro da ANEEL.

De forma local, temos uma diminuição sensível das perdas em função da característica de simultaneidade, que é muito alta, principalmente para prosumidores comerciais e industriais. Além disso, o excedente percorre um caminho relativamente pequeno até conectar uma nova carga, ou seja, há uma diminuição do circuito e, por consequência, uma menor porcentagem de perdas.

 

2. GD instalada diminui a demanda de prosumidores comerciais e industriais

Uma das teorias apresentadas na AIR parte do princípio que, em uma GD instalada, não há diminuição da demanda. Essa afirmativa é verdadeira para prosumidores residenciais, mas totalmente incorreta para clientes com simultaneidade entre consumo em horário de pico e geração.

Tenho estudado muito o comportamento da demanda em consumidores com geração distribuída. Na maioria dos casos, a diminuição da demanda passa de 15%, ou seja: é possível afirmar que os períodos de maior demanda estão associados a períodos de maior geração dos sistemas.

Ainda, existe uma boa dose de energia de base oriunda de radiação, quer seja difusa ou refletida, que, mesmo sendo de caráter intermitente, auxilia a atender parte da carga e garantir a diminuição da demanda.

 

3. Os altos custos de aprovação e conexão dos sistemas

Na análise de viabilidade dos projetos fotovoltaicos, percebe-se uma grande quantidade de incompatibilidades.

Comecemos apontando as falhas no CAPEX da minigeração: atualmente, temos um custo muito grande de conexão, em função do sobredimensionamento das normas de acesso de várias distribuidoras. Para se ter uma ideia, no caso da CPFL, esse CAPEX aumenta em até 20% o valor da obra.

Outro ponto que é muito questionável é com relação à diminuição do preço da solução ao longo dos anos. Essa premissa só está levando em conta uma suposta diminuição no valor dos materiais, por que o custo da integração só tende a aumentar, em função da diminuição dos negócios. Esses custos, por sua vez, serão repassados aos novos projetos.

Irônico como isso se trata de uma analogia ao que a própria ANEEL está fazendo com o segmento das distribuidoras: ao “encolher” o mercado, maior é o peso do custo de operação em relação aos demais.

 

4. O crescimento da carga é subestimado

O crescimento da carga é muito subestimado, pois vivemos um período de recessão e temos uma carga represada de vários anos de energia elétrica muito cara.

Um exemplo disso: muitos clientes da HCC que compraram o sistema já estão consumindo mais energia da própria concessionária, porque a diminuição do custo do primeiro projeto serviu de alavanca econômica para expandir o seu próprio negócio, comprar mais máquinas, instalar mais climatizadores e assim por diante.

Por isso, não tenho dúvidas que o crescimento da GD é menor do que o crescimento natural da carga no setor elétrico.

 

5. A data prevista para as mudanças prejudica quem já aderiu à GD

O marco delimitado para a manutenção das regras atuais de compensação para os consumidores que já fizeram o investimento, previsto para 2030, fere os direitos do consumidor que faz o seu projeto pensando numa lucratividade a longo prazo e toma a decisão baseado nisso.

Muitos prosumidores utilizaram de linhas de financiamento com prazos maiores para realizar os seus projetos, o que faz com que, involuntariamente, sejam penalizados com tal regra.

É nesse ponto que paira a maior contradição da ANEEL em todo esse processo, já que, por diversas vezes, a Agência ressaltou a manutenção dos direitos dos prosumidores que já aderiram à solução.

 

6. O autoconsumo remoto ficará ainda mais limitado

Outro ponto muito polêmico das mudanças na RES. 482 é a questão da geração remota. Aqui residem os maiores impactos econômicos, que acabam por praticamente inviabilizar essa opção.

Percebe-se que a base de análise da ANEEL foi o estado de Minas Gerais (MG), onde os diversos incentivos fiscais fizeram esse tipo de geração prosperar e, por consequência, causar um impacto maior no sistema elétrico.

No entanto, na maioria do país, esse tipo de projeto praticamente não existe. Isso dificulta ainda mais a democratização do uso da energia solar, principalmente para aqueles consumidores que não possuem condições de realizar geração local.

 

7. O impacto dos projetos remotos é menor do que aponta a ANEEL

Um dos pontos que mais me chamou a atenção é a potencia da análise de projetos remotos. Segundo o estudo da ANEEL, os projetos médios são de 600kW, uma métrica totalmente infundada se levarmos em consideração todo o país, onde a realidade é de investimentos próprios para atender pequenos consumidores, normalmente microgeradores ou minigeração de até 400kW. Ou seja, o impacto é muito menor do que indicam os cálculos da Agência.

Neste artigo, fiz um resumo dos pontos mais contraditórios da justificativa da ANEEL quanto às mudanças na RES. 482, e cheguei a uma conclusão: a ANEEL está tomando decisões de maneira suspeita, com inconsistências de procedimento e metodologia. Infelizmente, isso mostra que a Agência está atuando em favor de algum lobby, quer seja político ou de grupos que monopolizam esse mercado.

O que devemos fazer nesse momento é justamente continuar “gritando”, por que embora a ANEEL não se sensibilize com a voz da sociedade, temos as esferas política e judicial para garantir os nossos direitos.

POSTS RELACIONADOS